segunda-feira, 6 de abril de 2015

VAI TER GREVE! MAS QUE GREVE?

A MAIOR DE TODAS AS GREVES


Estamos vivendo um período singular para os trabalhadores em educação de Pernambuco. Um fim de ciclo, a exaustão de um modelo de política educacional que foi um dos principais vetores de um projeto de poder para o estado e com aspirações nacionais.

Alguns já discordarão das primeiras linhas. Fim de ciclo? Calma, eu explico. Não vou rodear muito, este é apenas um texto preliminar, pois o assunto é demasiado complexo e polêmico.

Tratarei da política educacional nos governos do PSB em Pernambuco, portanto de 2007 até hoje e as perspectivas para a mobilização docente em curso. Considero que estamos em um fim de ciclo, pois, o que foi sendo implementado com tranquilidade pelo governo desde 2007 começa a dar claros sinais de exaustão. Os pontos seguintes esboçam alguns elementos que, para mim, justificam o que considero ser um fim de ciclo:

1.     Estagnação dos índices: O crescimento mais fácil dos índices, baseados no fluxo, está se esgotando (ou já esgotou para maioria das escolas). De modo que, sem um crescimento robusto nos resultados de proficiência (SAEPE/SAEB), os índices da rede inevitavelmente estacionarão ou declinarão. As estratégias de “produção” de resultados, no cenário adverso, contarão com menos participação, fazendo com que a parte “anabolizada” do indicador se aproxime de um patamar mais próximo da realidade. Ainda ocorrerá a chegada ao 3º ano dos alunos que foram “municipalizados”, e que provavelmente, voltarão no mínimo, menos adestráveis do que se tivessem continuado da rede.

2.     Desmoralização (ou fim) do BDE: O grande elemento motivador da “produção” de resultados no chão da escola, o BDE, já está desmoralizado com o que houve em 2014. As escolas que foram de 0 a 100% depois de protestos. E mesmo assim, é muito provável que em 2015 a política de bônus seja suspensa devido ao empobrecimento repentino do ente federado (que era rico na campanha eleitoral, e começa o mandato quebrado). Assim o governo perde o seu principal instrumento de “adestramento” da classe. O estímulo positivo (segundo Skinner) irá para o espaço, só ficarão os negativos, ainda mais aditivados pelo descontentamento crescente.


3.     Crise fiscal do Governo: Estramos em um período difícil, de vacas magras. A grande parte da categoria é despolitizada, e facilmente se acomoda com algumas concessões e se adequa as inconveniências (SIEPE, monitoramentos, pressões, golpe no PCC etc) contanto que tenha uma expectativa de benefícios contínuos e crescentes.
Eduardo conseguiu manter essa expectativa, não para mim, mas para muitos. Por isso, sempre tem quem diga com gratidão pessoal que ganhou curso, computador, aumento, bônus, foi para formação em hotéis, está numa escola de referência... como se tudo isso fosse pura benevolência do governo. Enfim, enquanto haviam novidades que ao menos contrabalançavam o cenário de depredação do nosso PCC ,por exemplo, a maioria chegava a um contentamento. Ou mesmo descontente, não ficava ao ponto de se engajar em qualquer movimento. Agora está sendo diferente.

O cenário é adverso, as promessas já transparecem como estelionato eleitoral e a margem de benefícios que levava a uma acomodação não existe mais. Grande exemplo disso está sendo a mobilização maciça das escolas de referência. O que antes era posto como um posição distinta, e por isso quem criticasse poderia cair fora, apresenta um cenário de estagnação de investimento. Há pressões, cobranças, lacunas diversas, que foram toleradas, abafadas, por essa distinção temporária. Mas, agora, sem perspectivas, os docentes chutaram o balde e quebraram o argumento do chicote. Como trocar toda equipe, se a escola parou 100%? Onde vão achar tantos profissionais efetivos querendo ir para a referência? e as escolas que estão sendo fechadas, os profissionais jogados para outras escolas farão o trabalhinho conforme a cartilha do governo?

Para os próprios estudantes fica evidente a distância entre a propaganda e a realidade das escolas. O que se tornará mais evidente em um ano de crise. O tensionamento será inevitável, e a busca por alternativas de resistência fora do sindicalismo complacente praticado pelo SINTEPE também. Este mesmo, terá que ao menos encenar a luta para não cair no completo descrédito e perder mais espaço para as desfiliações ou para a concorrência, o cavalo de Tróia da OPP.(Quando alguém ver a OPP falar contra o governo me avisem!)


4.     O chicote está perdendo o efeito ? A política do chicote e da chantagem, já mostra seus sinais de exaustão pela paralisação de dois dias que contou com a participação sólida da categoria, com destaque para a “insurreição” das EREMs, e especialmente dos estudantes.  Ou seja, independente das amarras dos dirigentes sindicais, a categoria tem demonstrado que a corda esticou. Até escolas “vitrine” do governo como o Porto Digital pararam 100%, é sinal dos tempos.  As promessas ufanistas da campanha e o contraste com o deboche do aumento 0% e o golpe no PCC foram o fim da picada. E a categoria está se articulando com elementos inovadores que devem potencializar a luta sindical e impor uma nova correlação de forças com o governo. As pressões por prazos, tirar pendências, os registros duplos ou triplos (caderneta, siepe e monitoramento)as ameaças de advertência, notificação, cortar ponto serão cada vez menos eficientes, quiçá inúteis (tomara).


5.     Governo mais frágil: O governo Câmara, provavelmente não terá, nem de longe, a solidez política que o Eduardo conseguiu obter.(Entenda-se aqui solidez como blindagem, como hegemonia) Ou seja, ignorar solenemente os protestos dos servidores públicos ficará cada vez mais difícil, pois há um legado político-eleitoral a ser defendido por eles. Mas os instrumentos de controle habituais, inclusive midiático, não estão se mostrando afinados como nos últimos 8 anos. A própria definição mais clara de oposição e situação na ALEPE, delimita um espaço, que de fato o governo tem ampla maioria, mas a minoria tem condições de fazer barulho e mobilizar a indignação de diversos setores nesse momento crítico. Ou seja, o silêncio ensurdecedor dos governos Campos, não deve existir no governo atual.

É SUFICIENTE PARA ROMPER O PACTO DA MEDIOCRIDADE ?

Existem outros elementos, mas, em suma, pode-se afirmar que a corda esticou para o governo e para os servidores. O pacto de mediocridade acontece mediante a busca desvairada e inconsequente dos professores por uma bonificação e o estímulo velado do governo para que assim ocorra a produção os números para a vitrine política. Tudo isso a despeito do que isso representaria para os alunos por exemplo, e para os próprios profissionais. A manutenção de pacto tácito, não será facilmente replicada nessas condições. E sendo assim, o governo perde um lastro da sua política. É melhor chantagear e pressionar para talvez pagar um prêmio, do que dialogar e melhorar de fato as condições de trabalho. É uma razão contábil, produzir muito, gastando o mínimo possível. Quem paga bônus, não quer investir em salário. Mas, sem bônus e sem melhoria salarial, como é que fica?

Quando o governo que prometeu na campanha dobrar os salários dos servidores das regulares e criar um cargo com vencimento de 4.000 para os EREMs, e logo no início do governo anuncia aumento 0%, cria-se um cenário de conflito iminente e inevitável. Diga-se de passagem, mesmo que o governo cumpra a lei do piso, ainda vai ficar devendo em relação ao que prometeu em campanha. Mas como vai se dar esse conflito?

VAI TER GREVE! MAS QUE GREVE?

As estratégias e instrumentos utilizados pela categoria nesse conflito é a grande questão que está na pauta da categoria. Greve, ou paralisação; greve de fato,  branca ou de pijama. Por quanto tempo? indeterminado, até conseguir qualquer coisa, volta para o batente de cabeça baixa... enfim, como se dará a reação dos docentes em relação ao governo.

Na próxima assembleia (10/04) vamos decidir provavelmente com parâmetros antigos, para uma situação bem distinta. Digo mais, provavelmente, as decisões da assembleia não tragam nenhuma inovação porque nenhuma das forças mais representativas está contemplando seriamente novas trincheiras da luta política e sindical. De um lado, a diretoria com freio de mão puxado, a tal "trava política", seja das vinculações partidárias, ou pelo medo de perder a consignação e as vantagens que foram obtidas, justamente por concessões, para a estrutura sindical.  A direção não deverá radicalizar, vai tentar promover eventos mais simbólicos, para dar mídia e com isso sensibilizar o governo. A oposição já discute alternativas mas, em sua maioria, quer a greve já, para o que der e vier. Há nuances entre as duas vertentes, mas, de certo modo é o debate que vem ocorrendo. (obviamente essa é a minha percepção, posso estar completamente equivocado)

Assim posto, teremos duas opções prevalecentes, que muito provavelmente não resultarão em nenhuma conquista, se o governo estiver realmente obstinado em manter a sua posição, com base em planilhas contábeis e no retrospecto político das últimas greves e eleições. Em suma, o governo tem sérios motivos para acreditar que nossa categoria não gera prejuízo político para o governo. O mesmo, que adotando algumas medidas (mesmo arbitrárias) como o desconto sem reposição, tem sido suficiente para derrotar os professores. Além disso, ninguém deixou de se eleger porque destruiu nosso PCC em 2008. Pelo contrário, o governo tem um retrospecto eleitoral extraordinário, e os deputados “inimigos da educação” da última safra não sofreram prejuízos evidentes por terem aprovado projetos nocivos à categoria.

Portanto, não temos plano b. Diante desse cenário, eu tenho cultivado uma hipótese que escapa ao debate imediatista, que que vou apresentar brevemente como desfecho desse texto e abertura para discussões posteriores.

A MAIOR DE TODAS AS GREVES SE DÁ PELA NÃO COOPERAÇÃO SISTEMÁTICA AO MODELO DE “GESTÃO POR RESULTADOS”, E PELO COMBATE POLÍTICO DE SUA PROPAGANDA.

                Como disse na última assembleia, a luta sindical deve ampliar seus campos de atuação, especialmente, contemplando estratégias de resistência no chão da escola, e de confrontação política nas redes sociais. Sem isso, ir para as ruas, por maior que seja o movimento, pode não ser o suficiente para atingir a racionalidade político-eleitoral em que se assenta a perspectiva dos governos. Ou seja, qual a possibilidade de desgaste real para um governo de uma greve convencional ? tem sido muito pequena, ou mesmo nula.

O nosso grande trunfo como categoria de massa é a mobilização das comunidades com que trabalhamos diretamente, o que requer uma atuação como formadores de opinião (não adestradores de consciências). Algo que passa ao largo das discussões, quase sempre imediatistas, que soam para a comunidade como uma cantiga repetida, “os professores querem dinheiro”. É uma ‘cantiga’ justa, mas, que não agrega. Reverter um movimento com esse lastro convencional, é muito fácil para o poder de mídia que tem o governo.

            Mas, se a pauta for ampla, e se incorporar questões que envolvem diretamente os alunos, a comunidade, que interessem a população em geral, fica mais difícil combater. Como o governo pode dizer que os professores que fustigam os alunos, se esses mesmos estão indo para a rua com cartazes “Paulo a culpa é sua!” ?

E o principal, NÃO ADIANTA IR GRITAR NAS RUAS CONTRA O GOVERNO, XINGÁ-LO NA INTERNET, E FAZER O JOGO DELE COMO CORDEIRINHOS NO CHÃO DA ESCOLA!

Que jogo é esse? Todos sabem. O vale tudo pelo bônus, a aprovação em massa, o adestramento para os exames externos, as chantagens envolvendo notas e etc. Além dos subterfúgios que configuram clara ilicitude. 

A MAIOR DE TODAS AS GREVES É INEVITÁVEL, ININTERRUPTA, INIMPUTÁVEL[1]
A não-cooperação, ou mesmo o boicote, não podem ser evitados, nem pelo governo, nem pelo sindicato. Não tem prazo de validade, nem pode ser punida objetivamente pelo governo. Afinal o professor estará fazendo o seu trabalho, inclusive eticamente falando. Não terá ponto a ser descontado, e o chicote geralmente usado contra os professores, em certa proporção, poderá mudar de mãos. Para onde irá a arrogância de alguns cargos comissionados, que fazem do assédio moral prática comum, quando os que estiverem na base não compactuarem com os ardis que constroem os seus tronos e sustentam os seus cargos? Quem pode perder o emprego se não “bater a meta”? só eles!

Por isso, reitero, a mais poderosa de todas as greves é a não cooperação, é o embargo a fabricação de resultados, porque o governo não tem instrumentos para combatê-la efetivamente. Não tem como combater, porque ela é uma retomada ao exercício efetivo da profissão. Ela não tem prazo para acabar, e não prejudica o aluno, pelo contrário o beneficia, e fortalece nosso vínculo com a comunidade.

Qual diretor poderá ameaçar o professor porque ele está fazendo corretamente o seu trabalho do ponto de vista avaliativo e curricular? Certamente tentarão, mas peçam que eles formalizem a acusação? Vai ser hilário. Não é simples, exige sair da zona de conforto, exige altivez. Mas um grande protesto contínuo pode se dar simplesmente avaliando os alunos conforme a sua situação efetiva, e ensinando o que está estabelecido, considerando a realidade da turma, e não convertendo as aulas em um cursinho preparatório para o SAEPE e Prova Brasil.

E se os administrativos encamparem essa luta? Logo nós (falo como analista) que somos solenemente desprezados pelo governo e pela direção sindical, se não cooperarmos com a transmutação no SIEPE de desistente em transferido, por exemplo? O efeito seria devastador para o governo.  Integração das categorias não ocorre, porque o governo conseguiu fazer-nos crer que nossas lutas competem entre si. Se o embargo for integrado, o tal modelo de gestão vai pelo ralo. O que acontecerá quando os servidores não fizerem nenhum esforço direcionado para bater as inalcançáveis metas? E obter o obscuro 100%, do possivelmente extinto bônus?

Uma reação em cadeia pode retomar os índices do estado ao patamar de anos atrás, sem sabotagem, apenas deixando aparecer o resultado conforme a realidade. (diga-se de passagem cada vez mais difícil). A literatura acerca das reformas educacionais baseadas em responsabilização por resultados, dão conta que a cooperação dos professores é fundamental. O próprio Banco Mundial diz isso.

Ou seja, a linha de montagem passa por nós. Por isso o investimento do governo em bloquear a atuação sindical dos professores das referências, porque sem o tal “alinhamento” eles não alcançam o que desejam. Sem o impulso para melhorar artificialmente os resultados não há o badalado sucesso da reforma educacional de Pernambuco, que engatinhava até 2012, e deu um salto obscuro no IDEB de 2013. (Por falar nisso, seria bom o governo tirar da gaveta o resultado do IDEPE de 2013. Tenho certeza que se fosse vantajoso já teria sido alardeado desde a campanha)

Assim, suponho que, quando associarmos a luta da classe, nas ruas, nas redes e sobretudo no chão da escola, teremos muito mais possibilidades de resistir aos açoites normativos dos governos, bem como, as tentativas de supressão de direitos que tem sido recorrentes. Se tirarmos deles a vitrine eleitoral expressa nos números, estabeleceremos um novo patamar de negociação.

GREVE CONTÍNUA

            A não cooperação é o início do que seria uma greve contínua, caracterizada pelo enfrentamento articulado da política educacional do governo no chão da escola. O enfrentamento articulado configura uma greve contínua, pois, não objetiva combater uma medida pontual, ou obter o melhor possível numa campanha salarial. É resistência interna ao projeto “educativo” do governo, que quanto mais forte se tornar, mais força também terá a categoria de cobrar ações do governo, ao demonstrar o fracasso das suas iniciativas. (A distinção entre não cooperação e o que trato como sendo como greve contínua, foi proposta pelo colega Jairo Girolamo do Grupo Professor PE. Tinha posto aqui que a não cooperação equivalia a uma greve contínua, o que conceitualmente e pragmaticamente não é verdade.)

Continuando como está, cooperando sistematicamente em prol de conquistar a isca do governo (o bônus), acabamos fazendo o jogo (sujo inclusive) dos que nos oprimem, e construindo o trono, de onde são formulados projetos de lei espúrios como o 79/2015. E de onde tem assistido o fracasso sucessivo das tentativas convencionais de resistência, a um jogo que exige outros instrumentos. Quem não lembra da matéria de capa do jornal que estampava em letras garrafais "PROFESSORES DERROTADOS". E a incitação da comunidade contra nós nas matérias dos telejornais. Ou seja, eles estão atualizados na coerção, nós temos sido incipientes na resistência. E portanto “produzimos” grande parte da plataforma política de 2014, conforme o exemplo abaixo:

“A Educação em Pernambuco é destaque nacional. Os números apresentados recentemente no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostra a evolução no ensino público no estado. Tivemos um crescimento de 16,1%, superior a todos os estados brasileiros e o que nos fez subir 12 posições no ranking. Sim, Pernambuco está melhor que o próprio Brasil.”




É isto que está em jogo! É uma luta que vai muito além do “round” que está em curso. As circunstâncias clamam por novas perspectivas, tanto de forma quanto de conteúdo da luta sindical na educação. Se é fato que os instrumentos tradicionais de luta ainda têm sua validade, é também verdade, que insistir neles isoladamente, em detrimento das diversas frentes de luta política, é suicídio.

Ribeirão, 06 de Abril de 2015. (revisado em 07/04)
Ítalo Agra

Professor e Analista Educacional
Pedagogo. Mestre em educação.
Membro da administração do Grupo Professor de Pernambuco





[1] Inimputável, no sentido de que o governo não poderá nos imputar a culpa pela greve. Pois, esta é uma greve por dentro. Não responderemos judicialmente pela interrupção do trabalho, porque, estaremos realizando justamente o nosso trabalho. Portanto, nada tem que ver com anomalia psíquica, a que o termo jurídico se refere, pelo contrário, tomo emprestado o sentido parcial desse termo para significar uma ação que reflete a tomada de consciência de classe.
  

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