sexta-feira, 29 de abril de 2011

PALAVRAS E SILÊNCIOS

PALAVRAS E SILÊNCIOS

Mover-se é viver, dizer-se é sobreviver
(Fernando Pessoa)[i]


Ouvir o silêncio é um exercício salutar a todos que sofrem de verborragia, ou seja, uma “hemorragia” de verbo que pode ser resumida na expressão popular que “quem  muito fala pouco ouve “. Por outro lado reservar-se a um silêncio sepulcral nos “eleva” a condição seres inanimados. 

Isto, pois, foi muito bem dito pelo gênio da poesia e nosso irmão de além-mar Fernando Pessoa. Para ele “Mover-se é viver, dizer-se é sobreviver”, acho fantástica essa expressão, pois, diferencia o viver biológico do viver existencial. Ou seja, o homem animal racional do homem sujeito, que intervém no seu mundo, que produz cultura. Com o mesmo raciocínio podemos diferir o falar do dizer.

Falar é inerente a condição humana, é um recurso comunicativo de seres dotados de linguagem racional e que inclusive pode ser aprendida vivendo, sem precisar de escola ou preceptores. Dizer-se é diferente, pois, implica em auto-conhecimento, identidade e por conseguinte  a afirmação do ser, como defesa de suas opiniões, projetos, sonhos e/ou ideologias. Portanto, quem coloca seus pulsos vitais no que escreve e no que diz consegue dizer-se, estender sua condição de sujeito, ter voz ativa, já que falar por si só não representa nada de original.

Porém, para que as palavras adquiram o pulso vital de quem às escreve ou proclama os silêncios são fundamentais para sua construção. Daí que o excesso de palavra ou de fala vira verborragia. Há um caminho árduo que precede o dizer-se que é o da reflexão sobre si e sobre a realidade objetiva que o circunda. Ser, portanto, um sujeito autêntico nesse tempo de ideias pasteurizadas, em que a homogeneidade vira elo de valor e a Inteligência binária o parâmetro para pensar o mundo, entre sim e não, comprar esse ou aquele, falar ou ficar calado.

Nesse tempo pós-moderno caracterizado pela homogeneização cultural as criações tendem a ser mais do mesmo. Nesse contexto entender as nuances entre palavras e silêncios, entre falar e dizer-se, entre ser sujeito ou objeto, politizado ou apolítico vai ficando cada vez mais difícil. Sobretudo se trilharmos nos caminhos do sim ou não, perderemos muito do há de complexidade entre ser ou não ser.

Esta aí a diferença dos clássicos como Fernando Pessoa e outros versos triviais que enchem prateleiras de livros não vendidos. Está aí a diferença abissal entre a música de Cartola e dos pagodinhos descartáveis, de Chico Buarque e o bonde do tigrão e as mulheres frutas que lhes sucederam, de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e os forrós enlatados que tem que dizer o nome da banda no meio das músicas para serem reconhecidos, tamanha mesmice que alcançaram.

Os que construíram músicas, livros, ideias e sons que transcenderam o seu tempo nos deixam o legado humano do “Dizer-se” que pode ser imensamente impulsionado com os nossos recursos pós-modernos. Afinal, não existe mal absoluto e a história existe como possibilidade. Vejamos o grande fenômeno das redes sociais na internet que tem quebrado o monopólio das grandes mídias, vede o fenômeno da blogosfera, as listas , as correntes os sites de compartilhamento tem aberto grande possibilidade de difusão de ideias e artefatos culturais que antes ficavam circunscritos a um grupo tão restrito.

É bem verdade que a produção e difusão de informações falsas e inúteis é extremamente superior ao bom conteúdo, mas, o que seria o “ruim” sem o “bom” para fazer seu contraponto. Reconhecer esse lixo todo, já é algo muito importante de ser refletido nas escolas e nas redes sociais. O que me enche de esperança é a possibilidade de dizer-se do sujeito da favela que foi o porta-voz da população durante a invasão do complexo do alemão. Enquanto a grande mídia não tinha muito mais que palavras vãs e o silêncio da dúvida, surge da comunidade uma expressão autêntica que certamente seria invisibilizada nas matérias convencionais onde são postos implicitamente como um mal a ser controlado, como uma sujeira para ser varrida para debaixo do tapete.

Portanto, cá estou eu, nesse espaço virtual que se torna um outdoor da minha experiência no mundo. Cá estou eu, sujeito comum do interior pernambucano, provavelmente invisível aos grandes meios posso dizer-me sem pedir licença nem fazer alarde. Posso exercitar o direito de ter voz , e seguir vivendo entre palavras e silêncios como tensões necessárias para produção de qualquer reflexão fértil sobre nossa realidade objetiva. Pois, não adianta dizer por dizer, de palavra morta bastam as nossas leis.

Sobretudo, nesse interior que vivo, mata sul pernambucana, em que o silêncio foi plantado como o cultivo da cana no qual a riqueza natural e a diversidade vai sendo pilhada por mais do mesmo, pela plantação de um deserto verde até quando a terra suportar. O ser humano por aqui é tratado como a cana, o que ele possui de riqueza lhe é subtraído até que reste quase nada, um pouco menos que bagaço. Dizer-se nessas condições é bem difícil.

 Nossa passividade tem raiz, pois nossas gerações passadas foram cultivadas com suor e sangue. De forma que silenciar passou a ser a ordem natural das coisas. Não é o silêncio que falei inicialmente, que implica em reflexão que precede o dizer-se. Esse silêncio é um sintoma da morte do sujeito, da pessoa que foi posta na condição de coisa e como tal não há o que dizer. Se não há o que fazer e as coisas são assim mesmo, a vida se resume a viver o agora, a dançar a dança e tentar sobreviver enquanto der.

Dizer-se por aqui é sintoma de vida, assim como o silêncio sepulcral é efeito de morte da condição do sujeito. Uns silenciados por acharem natural ser assim e outros silenciados pelas leis da sobrevivência a que estão expostos, quando suas ideias arriscam seu pão, seu sustento a condição de sujeito tem que ficar em segundo plano. Infelizmente, por aqui democracia é uma ordem figurativa que enfeita nossa legislação, mas, que pouco chega a mudar a condição de negação da cidadania a que tantos estão expostos.

Para mim, que  vivi a condição de silenciado a contragosto, Dizer-me é mais que o exercício da minha alforria é um dever que me atribui, de seguir uma luta inglória de fazer o contraponto que é tão necessário ao progresso da humanidade. Conheço o silêncio, a palavra e a falta que eles fazem e o mal que produzem em seus excessos. Sobretudo em nossa região em que o silêncio ganhou status de lei natural. Dizer-me é uma forma de fazer justiça aos que até agora não “podem”, aos que morreram sem poder e manter acesa a chama de que algo diferente existe, de que podemos assumir uma posição ativa e intervir na condução da nossa história.
Celebremos então a história como possibilidade.


Ítalo Agra
Ribeirão – PE, 26/04/2011



[i] PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego: composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. – São Paulo: Companhia das Letras, 2006.




2 comentários:

  1. Que texto forte de se ler, meu café da manhã de hoje. Café preto! Mas com sabor gostoso, sabor de quem pega o jornal e dele lê a mais apurada informação.
    Ótima a ideia do novo Blog criando outra identidade de seu trabalho neste aqui. E o Acordes! Abandonou?
    Aguardando o seu próximo texto, já com sede de suas palavras acesas.
    Abraços!

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  2. Oi Márcia

    Que bom que gostou. INclusive , fui dormir depois de dar uma olhada nos seus versos.... no caso do Acordes eu perdi a senha e um pouco da motivação de segui-lo pelo rumo que tomou com relação as politiquinhas da minha terra. Lembrei um dia da música linda do quinteto violado que exalta a força da palavra quando acesa.... então criei esse blog com esse espírito de crítica e de lirismo, um blog para ter mais arte do que protesto ou o protesto em forma de arte. Como já tinha perdido a senha do "acordes" desisti de reformulá-lo.
    Vou retomá-lo nos intervalos ou até mesmo como condição para produzir ciência, que por vezes é mórbida. Cheia de palavras frias e obrigatoriedades formais que engessam o espírito do autor. Na ressaca disso que resolvi recriar o espaço para literatura que de vez em quando cobra seu espaço.
    saudações gameleirenses

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